quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Verborrágica

Eu não escolho as palavras nem o momento.
Só percebo elas vindo quando já é tarde demais para segurar.
O bolo se forma na garganta, os dedos nervosos rabiscam ou digitam o que vem em seguida: uma onda de letras, sílabas, frases, às vezes relacionadas entre si, muitas vezes soltas e perdidas buscando um contexto.
Mas o contexto sempre está lá, o contexto sou eu.
O que elas dizem, elas dizem de mim.
Haja letra, haja palavra!
Pra dizer o que eu me recuso a dizer, pra dizer o que engulo a seco sem ninguém saber, pra expressar o que os olhos dizem tão bem mas a língua falha em reconhecer.
Haja motivos, haja noites em claro!
Pra que eu não deixe passar em branco tantas ideias que correm soltas pela minha mente, tantos pensamentos que se libertam de correntes para repousar em letras numa tela.
A mesma tela que se cobre de branco e que repele tinta quando eu preciso pintar mas que absorve todo tipo de fluido e pigmento quando a necessidade falta.
Porque poesia não é técnica, não é habilidade que se põe em prática, não é coisa que vem a qualquer hora.
Há que se esperar e acumular muitas palavras não ditas, muitas vidas perdidas, muitas ânsias proibidas e então esperar.
Esperar o bolo se formar, esperar o jorro de letras, e esperar que formem algum sentido, que atendam os seus pedidos, que digam o que nunca foi dito.
E saber que passado o enjoo, ele vem e recomeça, num ciclo infinito.
Eu não escrevo as palavras, eu não escrevo os momentos.
Eles me escrevem.

Dada II

Quem dera fosse só a nítida sensação
De liberdade tolhida, encolhida
E no fim fosse tudo mentira

Quem dera eu não fosse eu
E a tristeza não fosse minha
E fosse tudo mentira

E fosse tudo sonho
Carregado num navio
Navio de partida

Sem choro nem vela
Sem ele e sem ela
Só sonho esquecido

Sonho perdido
Uma bela desculpa
para os calafrios

Dada I

Não me esconda estas lágrimas
por que ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas.

E a cor que me incendeia é a mesma dos teus olhos
que me acusam do que eu nunca senti,
que me falam do que eu jamais vivi.

E quando as tuas lágrimas se fundem em oceano
de medos, sentidos, desejos, arquejos,
é quando realmente eu tenho medo

E deixo transbordar,
sem demora,
a vida

Que me diz como não se deve amar
mas deixa de ensinar
tudo aquilo que preciso saber sobre o amor

Que é tão raro e tão fraco
e cuja graça perdura
florindo no amanhecer londrino.