quinta-feira, 28 de abril de 2011

Fantasmas II

Virei a esquina e quase que meu sorvete se esparrama na calçada. Ali, na minha frente, estava um fantasma. Fiquei completamente imóvel e sem ação. O que se faz numa hora dessas? O fantasma parecia tão apavorado quanto eu, o que não é surpresa - eu, para ele, sou um fantasma também. Ficamos os dois mudos, com os olhos esbugalhados, de frente um para o outro. Sentia o meu sorvete escorrendo pelos meus dedos e pingando sobre o meu sapato, mas eu não podia fazer nada. O choque era grande demais. Aquele fantasma pra mim já estava morto há muitos anos.

Quando o sorvete derreteu por completo e eu deixei a casquinha escorregar para o chão, o cachorro dele avançou e começou a comer os restos e lamber os meus sapatos. Aquele cachorro levantou a cabeça e me reconheceu, mas não teve medo de mim como o dono. Dizem que animais enxergam espíritos e convivem bem com eles. O celular tocou e despertei do transe. Atendi, balbuciei palavras sem saber se faziam sentido e desliguei. Meu fantasma particular abriu um sorriso nervoso, puxou a coleira do cão e murmurou coisas inaudíveis. Meu rosto se descontraiu e então eu ri. E o fantasma riu também. Não trocamos nada além de gargalhadas.

Continuamos nossos caminhos, cada um pra um lado. Mas sei que não preciso ter medo deste fantasma num próximo encontro. Da próxima vez, vou até arriscar tocá-lo pra saber se é de carne e osso.

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