sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Depois

É engraçado! O jeito como o seu cabelo cai por cima dos seus olhos... Quero dizer, caía. Porque agora você não tem mais cabelo, e isso é engraçado. E eu também não tenho mais aquela pinta que você adorava, aquela que eu sempre detestei... E mesmo assim, olho pra você, olho pra mim... E olha só nós dois aqui de novo. Não é engraçado? Eu acho... Quem diria que depois de viagens, filhos, livros, netos, estaríamos os dois aqui, inteiros, nesse mesmo banco - você lembra que foi aqui que você me deu aquela flor quando a gente se conheceu? - nos olhando e rindo, rindo alto!, gargalhando, relembrando nossos momentos, nossas alegrias, nossas triztezas... Ah, eu sabia, eu sempre soube, eu te falei que isso ia acontecer, não falei? Falei sim... Falei que um dia quando nossos rostos desidratassem quase por completo e só restassem rugas em nossas peles frágeis, a gente ia se encontrar de novo, disse sim. E tudo ia ser mais fácil, ia ser mais alegre, mais bonito... É claro que as coisas já não são as mesmas, mas não é isso o que é bom? Pare de me contrariar, você sabe que eu estou certa... Viu, eu sempre estive certa! E nem assim você soube me ouvir... Ah não venha com isso agora, por favor. Não, não vamos falar disso. Estamos bem agora, não estamos? Vivemos nossas vidas, cada um no seu canto, não sofremos. Foi bom assim. Se podia ter sido melhor? Ah, como é que eu vou saber? Meu querido, o que já foi é passado. Não podemos aproveitar o nosso presente? Pelo menos era o que você vivia dizendo... Eu sei. Eu sei... Vamos esquecer isso, por favor... Ah. Você não consegue. Bom, eu também não esqueci o que você me fez. É claro que eu te perdoei, na época. O que mais eu podia fazer, não é mesmo? Mas eu não esqueci. Nunca esqueci. Acho que estamos quites então.
Não sei, de repente as coisas não parecem mais tão bonitas. É, acho que não mudamos tanto assim como eu pensei. Você ainda é o mesmo garoto do cabelo na cara que partiu meu coração e eu ainda sou a garota da pinta que te fez chorar. Acho que as coisas nunca mudam, não é mesmo? É, dessa vez quem estava certo era você. Mesmo depois de tanto tempo... Acho que nunca tivemos uma chance mesmo.
Está ficando tarde. Acho melhor ir embora.
O quê? Se eu ainda gosto de você? Achei que estivesse claro. Ah, mas você sempre foi um bobo, mesmo. Você ainda gosta de mim? Mesmo? Por que não falou antes? Ah, se ainda tivéssemos tempo! Você estaria encrencado por me fazer sofrer dessa maneira! Ora, mas é claro que sofri! Eu sei que só estamos tendo essa conversa há poucos minutos, mas dentro do meu peito já aconteceram as mais diversas revoluções. Você nem imagina. Ah, quer que eu te mostre? Seu bobinho! Vou pensar no seu caso... Olha o que você me faz fazer, seu velho doidinho... Pareço uma maluca falando desse jeito. A gente sempre foi meio maluco, né, nós dois? Ah, que saudade daqueles tempos... Sabe do que eu mais tenho saudade mesmo? Adivinha. Haha, acertou! Do seu cabelo. Era tão lindo...
Ah, como é engraçado. Nós dois aqui, de novo, depois de todo esse tempo. Você podia imaginar que seria assim? É, nem eu.