sábado, 25 de setembro de 2010

Recordação

Abriu o velho álbum, algumas fotos pularam pra fora, como se quisessem respirar um pouco de ar novo, deixar aquelas páginas claustrofóbicas um pouco antes de serem trancadas lá para sempre novamente. Pegou uma das fotos, "Meu Deus, que cabelo horrível eu tinha!" e riu, deixando de lado sua cópia de quinze anos de idade. Virou as páginas, lentamente, com cuidado, a cada nova foto um suspiro, uma lembrança, uma lágrima. "Essa aqui nunca mais vi... Esse foi morar fora... Ela era doidinha, meu Deus... Ah, que saudade, por onde será que eles andam?... Nossa, eu não tinha espelho em casa? Que cabelo pavoroso..."
Ia reconhecendo os rostos, voltava para aqueles cenários, revivia tudo mais uma vez, ah, como era bom, como foi bom, que bom que tudo aconteceu... Virou mais uma página, os olhos saltaram, ficou muda, os lábios secaram, os dedos imóveis. "Eduardo!..." Passou as pontas dos dedos magros sobre o rosto do antigo namorado, na foto rindo ao lado dela, na primeira foto deles, os dois de frente um pro outro só rindo, iguais, brancos em suas camisas gêmeas (ela em sua fase de só usar camisas, femininas ou não) estampados sobre a parede branca, os cabelos negros se destacando. Sorriu, suspirou. Tomou coragem, virou mais uma página.
E várias outras versões daquela foto surgiram: Eduardo e ela no parque, na praça, na praia, na rua, no restaurante, no ônibus, em casa, no sofá, no quarto, no colégio, na festa de formatura... E junto veio a saudade, aquela nostalgia louca, aquela dor, aquela tristeza e alegria misturadas e sem lógica nenhuma. Eles nunca tiveram lógica, mesmo. Virou a última página, temerosa. Uma foto dela, só dela, sem Eduardo (fora ele o fotógrafo). Ela de costas, naquele vestido florido que ele adorava, só com a cabeça virada, olhando pra ele, nos olhos dele, sem sorrir, mas com os lábios entreabertos, como se dissesse alguma coisa. Tentou lembrar o que poderia ser, revisitou o momento, o que ela estava dizendo, meu Deus? Devia ser algo muito importante, devia ser...
Cansada, atordoada, atormentada, deixou o álbum no chão, ergueu-se com certa dificuldade apoiando-se na mobília, as mãos finas e trêmulas, a pele muito frágil, já não era assim tão jovem... Foi para o quarto, deitou-se na grande cama, o quarto todo escuro, libertou umas últimas lágrimas réfens e resolveu tirar um cochilo. Acordou horas depois, descansada, tinha sonhado com as fotos, com aquelas pessoas, aqueles momentos de sua vida, e principalmente Eduardo...
Levantou-se de súbito, voltou à sala, apanhou o álbum no chão e o abriu na última página, sentando-se no sofá. Olhou sua foto novamente, de costas, quase fora do retângulo de papel, os lábios entreabertos e seu olhar misterioso que sempre fora sua característica mais marcante. Ela sabia agora que palavras saíam da sua boca naquele momento, pelo menos naquela imagem congelada que tinha guardada: adeus, Eduardo. Porque depois daquela foto revelada, nunca mais se viram.

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