quinta-feira, 15 de julho de 2010

Tapa na cara

- ... Pior que estar dividida entre uma coisa e outra; é estar dividida entre nada e coisa nenhuma. A angústia é tão grande que você nem sabe o real motivo dela existir. Talvez o motivo seja o medo de descobrir que entre nada e coisa nenhuma não há escolha possível. Na verdade, nunca houve a opção de escolher entre um e outro, pois ambos não existem. E por isso vem a angústia. Porque é verdade, e você sabe. Só não quer enxergá-la. Não quer enxergar que inventou um universo de possibilidades irreais. Um universo de mentiras que parecem verdade. Mas quando você pára e vê... Vê que nada disso existe... Descobre que entre o nada e coisa nenhuma não existe saída, que era melhor nunca ter se feito essa pergunta, que era melhor ter continuado no caminho traçado e não criado um desvio...
E o pior é que você já sabe de tudo isso. Porque continua cometendo os mesmos erros. Sofrendo pelos mesmos motivos. Você não muda, não é mesmo? Parabéns. Ganhou o prêmio de sofredora do ano. E agora? O que vai fazer com isso? Vai continuar suspirando de angústia ou vai tentar mudar alguma coisa?
- Vou mudar...
- Muito bem. Agora pára de chorar e vá fazer alguma coisa de útil com sua vida. Quem sabe, vivê-la.
- É uma boa ideia... Sabe, da próxima vez... É melhor me dar logo um tapa na cara. É menos doloroso.
- Talvez. Mas de que adiantaria? Você não ia aprender, não é mesmo?
- Tem razão...
Limpa as lágrimas. Deixa a angústia de lado. Sai de casa, e vive sua vida.

Entre lembrar e esquecer

Foi tão rápido e tão vago que se não fico me lembrando a cada instante, quase esqueço que de fato aconteceu. E aconteceu mesmo? Ou foi apenas um sonho, mais um delírio para compor minha realidade imaginária?
Por outro lado, nem sei se é bom mesmo continuar lembrando. Não foi nada, na verdade. Aliás, nunca foi nada, não é mesmo? Melhor esquecer. Guardar numa caixa bonita e deixar escondido lá no fundo, num cantinho empoeirado. E talvez um dia, daqui a tantos anos, reabrir a caixa e verificar com alívio a concretização de um desejo passado.
E talvez... Talvez a profecia se cumpra e aquela caixa possa sair do canto empoeirado, receber nova pintura e poder abrigar as novas memórias que Vou tratar de esquecer... Pra quando lembrar, ter uma grande surpresa e poder rir e me deliciar com a descoberta.
Terei minha felicidade clandestina. Como naquele conto da Clarice.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Sobre Eternidade

Andei relendo uma crônica da Clarice Lispector, "Medo da Eternidade", com alguns amigos. Mais de 24 horas depois, o tema voltou a passear por meus pensamentos, numa conversa com outro amigo.
Aprendemos com a vida que tudo tem prazo de validade. Comida, bebida, cosméticos, remédios, relacionamentos, palavras (quem diz que palavras são eternas, deve pensar sob um outro aspecto: palavras são ditas e não se pode voltar atrás, é verdade; mas elas podem perder o sentido com o tempo, e aí por isso tem validade), sentimentos... Ora, até a própria vida.
Então significa que estamos acostumados com o fim das coisas? É claro que não... O prazo de validade é um fato, mas quem disse que é pra gostarmos disso? Então devemos idolatrar a eternidade, tão rara e efêmera? Não necessariamente...
Como Clarice diz na crônica, o chiclete dura para sempre, mesmo depois que o gosto doce já passou e só restou o grude azedo. Ele é eterno, não acaba nunca, mas não significa que ainda é prazeroso. Veja bem, não digo que a eternidade precisa ser amarga e que tudo o que é bom precisa ter um fim (embora às vezes seja isso mesmo).
Na verdade, o que eu queria dizer aqui é outra coisa. É sobre a duração das coisas sim, mas não em toda a existência delas; é sobre a eternidade em cada momento.
Momentos que são tão prazerosos que mesmo muito depois de já terem passado, tornam-se eternos pela lembrança que deixam. Momentos que podem nunca mais se repetir, e que precisam ser, portanto, eternizados de alguma forma. Momento é coisa tão efêmera que se não for eternizado, passa, é esquecido em seguida e deixa de ter a importância que tinha.
Já quis muito que alguma coisa durasse pra sempre, como todo mundo, e assim também já almejei a vida eterna. Mas olhando pelos aspectos negativos da eternidade, como faz Clarice na crônica, percebo que não quero nada disso de fato. Quero sim viver momentos maravilhosos, conhecer pessoas e lugares encantadores, escrever sobre tudo o que me dá vontade e ser reconhecida por isso.
Nada de lamentar que alguma coisa poderia ter durado mais ou menos, ou que não precisava ter acabado. Tudo dura o que tem que durar, cumpre seu prazo de validade eventualmente. Mas se a alegria se mantém a mesma ao revisitar aquele momento, sem arrependimentos nem mágoas, é só o que importa. O momento já está guardado. Já está eternizado. Pra quê desejar que tivesse durado mais ou menos? Voltar ao passado está fora de cogitação, e se não agradou, não merece a eternidade, pronto.
Pra alguns, só momentos muito específicos merecem a eternidade. Pra mim, bom mesmo é eternizar cada uma das coisas boas que se vive, sem uma hierarquia obrigatória, num caderno de lembranças que vai sendo atualizado a cada novo dia, a cada nova experiência prazerosa.
Assim, as coisas se tornam eternas, ainda que respeitando as regras do prazo de validade. Mas sem amarguinho no fim.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Relato de um fato imaginário com resquícios de vinho tinto

Aconteceu. Não lembro bem se foi no meio das escadas ou dentro do elevador; não importa, na verdade. Só sei que com certeza foi em um desses dois espaços de transição, como sempre imaginei que seria, bem no meio, entre uma coisa e outra (que no fundo, não é uma coisa, nem outra).


Mas gostei assim mesmo. Desse ser e não-ser. Dessa certeza e incerteza. Desse amar e não-amar. Desse meio-termo que inventamos desde o início, “pra não complicar”.

No fim, sei que aconteceu. Enfim. E não sei se foi bom ou ruim. Se foi melhor ou pior. Se cumpriu as expectativas. O que importa, de verdade, é que já não é mais alguma coisa imaginária, impraticável, indizível, impossível.


Pronto. Aconteceu.


E agora? E agora… Agora nada. Agora espera. Agora deixa. Agora já foi.

Já passou…

Mas se passar de novo, não faço objeção.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A gente até se parece

Olha eu aqui, olha você aí.

A gente até se parece

mesmo sem sem se parecer.

Eu com minhas piadas prontas,

Você com seu riso de escárnio.

Minhas unhas roídas e pela metade,

as suas compridas e pintadas de vermelho.

Eu aqui te olhando,

Você aí vira os olhos e fecha a cara.

E mesmo agora, lendo este bilhete

Eu sei que você pensa "que idiota que ele é"

Porque ainda não citei nenhuma semelhança.

Mas sabe, a gente se parece sim.



Porque eu aqui e você aí,

nós dois estamos sozinhos.

Nós dois precisamos de carinho.

Então, vai parar de me rejeitar

e vir comigo dançar?



Se depois dessa rima você não se animar,

juro que não te importuno mais.



Ela riu pela primeira vez naquela noite, alisando o guardanapo amassado. Olhou naqueles olhos negros que a miravam de longe, sorrindo. Aqueles olhos que ela conhecia tão bem, mas tanto relutava em encarar. E o dono daqueles olhos, que ela tanto insistia em insultar, agora só queria vê-lo seus lábios beiijar. Atravessou a pista confiante ao seu encontro. Deram-se as mãos e começaram a dançar.

domingo, 4 de julho de 2010

Então...

Então. Estou aqui. Será que você me vê do jeito que eu te vejo? Porque, meu bem, desde aquele beijo... Fiquei tão atordoada, e agora estou aqui. Parada.

Será que hoje vai chover? Acho que estava chovendo naquele dia. Será que só acontece quando chove? Se for... sempre achei que beijo na chuva era melhor mesmo Ah, é verdade, ainda não sei se vai acontecer.

Então. Estou aqui. Te esperando. Não demora não, ta? Se não a chuva passa, e aí... Aí a gente acorda e esquece de tudo o que aconteceu. E aí acaba.

Então... Estou aqui.
Só esperando você.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Heartbreaker

Eu sentia o seu perfume do outro lado da pista de dança. Eu via os olhares que você me lançava, e depois como mexia no cabelo e fingia rir, desviando o olhar, só pra disfarçar. Eu sabia que você me queria. Sabia que não havia mais ninguém e que você tinha colocado aquele vestido preto justo só pra mim. Eu sabia de tudo isso, mas ignorava. Ou pelo menos tentava ignorar.

Porque você nunca foi mulher de ser ignorada. E era por isso que você me provocava daquele jeito. Você sabia que eu era incapaz de resistir ao seu olhar de assassina de corações, de heartbreaker. Porque era isso o que você era. O que você fazia. Você seduzia e colecionava corações de homens como eu. Completamente indefesos diante do seu sorriso charmoso e da doçura das suas palavras. E depois de apaixonar cada um desses corações, cansava-se da brincadeira e simplesmente livrava-se deles, desfazendo-os em pedaços tão pequenos que depois era quase impossível colocar tudo de volta no lugar. E nunca ficava totalmente bom.

Mas naquele dia, não, naquela noite... Naquela noite eu te ignorei. Ignorei até você se cansar. Até você se irritar. Até você me olhar daquele jeito molhado, quando seus olhos já não aguentam mais segurar as lágrimas, e sair da festa, sozinha, quase correndo, sem dar explicação.

E quando eu fui atrás e te encontrei lá fora, encolhida de frio, sentada quase agachada no meio-fio, tentando consertar a maquiagem borrada no espelhinho portátil, você me viu no reflexo, me viu atrás de você, e fechou o espelho com tanta violência e se virou pra mim de um jeito tão assustado que parecia que eu é que era o assassino nessa história. E então você soltou um suspiro e anunciou minha vitória, com a boca amarga. Eu peguei seu rosto em minhas mãos e disse pela milésima vez que aquilo não era uma competição, que não tínhamos apostado nada. Na verdade, me corrigi, tínhamos apostado tudo, mas os dois tinham saído vencedores. E quando você me olhou daquele jeito infantil de que entende mas que não acredita no que ouviu, eu sorri e acariciei sua bochecha com o polegar. Então você sorriu e socou de leve o meu ombro, mas antes que isso levasse a uma guerra de tapas e cosquinhas, eu te beijei.

E nenhum de nós teve seu coração despedaçado.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Romance de Hollywood

Ele ficou na chuva, esperando. Ela partiu e o deixou ali, só, ensopado daquela água que ele tanto odiava. Ela que fora sua companheira por tanto tempo. Com quem dividira a cama nas noites frias. E agora ela o jogara fora como a um outro qualquer. Num beco sujo. Na chuva. Completamente molhado até o último pêlo ruivo.
 
Começara a se conformar com a nova triste realidade, até que ouviu sua voz. A voz dela o chamando de volta. Ela vinha correndo, na chuva, tão molhada quanto ele. E ela gritava seu nome, procurava-o entre os latões de lixo e as caixas de papelão daquele beco imundo. Ela chorava, ele sabia que não era só a chuva caindo pelo seu rosto. Eram as lágrimas sinceras do amor que sentia por ele. Então ele se revelou, chamou por ela também na única nuance de voz que conhecia. Ela o viu e sorriu. Correu para ele e o pegou em seus braços, apertando forte e o envolvendo com a capa de chuva enquanto repetia seu nome com ternura.
 
O sofrimento tinha passado.
Podiam pertencer um ao outro enfim.
Estavam juntos novamente.
O gato e sua dona.
 
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*Inspirado na cena final do filme Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany's).