sábado, 6 de fevereiro de 2010

Testemunho de uma observadora atenta

Um menino que mostra a língua para uma passageira de um ônibus que passa é um mal-educado? Depende. Só uma observadora atenta sabe a verdade.

O ônibus estava lotado, mas eu estava confortavelmente sentada próxima à janela. À pouca distância à minha frente, um menino miúdo junto ao pai também miúdo estavam de pé há muitas paradas. Os dois assentos logo à minha frente vagaram ao mesmo tempo. O menino, bem próximo, se adiantou para sentar, calmamente; mas uma senhora de meia-idade que vinha correndo lá de trás do ônibus emparelhou-se com ele, colocando o braço na frente do menino, impedindo sua passagem. Impetuosamente mandou um “Dá licença” grosseiro e mal-criado ao pobre menino cansado e sentou-se no assento da janela, ajeitando a bolsa no colo e os cabelos curtos cuidadosamente escovados. O menino a olhou, magoado, humilhado, e timidamente tomou o outro lugar a seu lado.

A mulher precisava ter sido tão grosseira? Talvez ela mesma não tenha percebido o seu próprio tom de voz; talvez esteja acostumada a tratar os que considera inferiores a ela dessa maneira. A questão é que não era apenas um lugar que ela deveria “disputar”; eram dois. Ela podia ter deixado o menino sentar e ter sentado em seguida. Se eu não fosse tão contida, teria me revoltado contra a mulher na hora. Pobre menino, pensei.

Pouco depois quando o ônibus parou, o pai e o menino desceram do ônibus e se dirigiram à calçada à minha direita. Observei os dois indo embora e notei quando o menino parou em frente à janela da mulher cruel e rude. Ele lhe lançou um olhar muito ofendido e uma língua muito rosa e comprida, em contraste com sua pele bem morena de sol. Continuou andando até sair do alcance dos meus olhos.

Ri gostosamente com aquele gesto infantil. Só as crianças tem a coragem de expor tão verdadeiramente seus sentimentos, sejam os positivos ou os mais negativos. Senti na ponta daquela língua um gosto doce de vingança cumprida.

Só sinto não ter visto o rosto da mulher mal-criada que a recebeu. Com certeza se indignou e pensou mal do menino pelo próximo minuto até esquecer-se dele. Ou talvez nem tenha prestado atenção, perdida em algum pensamento fútil. Mas eu pelo menos fiquei satisfeita de ter visto o que vi. De ter participado de longe daquela história. De ter sido testemunha ocular de que quem cometera o crime fora a mulher, o menino apenas estava se defendendo. Observei um ato de crueldade – em pequena escala – ser confrontado com uma vingança simples e bem eficaz.

De duas coisas tenho certeza agora: de que aquele menino ficou muito satisfeito consigo mesmo por ter mostrado aquela língua, por ter saído dali de alma lavada, certo de ter resolvido o impasse da melhor maneira a seu ver; e de que se uma criança mostra a língua para alguém, ela nunca o faz sem motivos justos. Nunca.

Um comentário:

Dreamer disse...

usahuhsa
adorei!
Queria poder ser criança também,
mostrar a língua pra quem me faz mal,
sem preocupação alguma...