terça-feira, 27 de outubro de 2009

O que fazer num dia de chuva


- Faltar aula (porque você com certeza: A. Vai chegar atrasado por causa do engarrafamento; B. Vai chegar molhado porque o guarda-chuva não deu conta; e C. Vai ficar sozinho na sala porque todo mundo resolveu faltar. Inclusive o professor. Dias de chuva são para ficar em casa!)
- Ficar na cama embaixo do edredom vendo filme, comendo pipoca, chocolate, biscoito...
- Ler um bom livro
- Ficar deitado de janela aberta ouvindo e sentindo o cheiro da chuva
- Fazer aquele dever de casa atrasado
- Ter idéias criativas e colocá-las em prática (escrever um conto, customizar uma roupa, fazer dobraduras de papel, desenhar, e o que mais vier à cabeça.)
- Arrumar o quarto ao som de músicas animadas, dançando e cantando enquanto organiza a bagunça (ou só dançar e cantar, se preferir!)
- Assar um bolo gostoso ou qualquer outra sobremesa (vale receita caseira ou daquelas semi-prontas compradas no supermercado)
- Chamar os amigos e brincar de: mímica, twister, jogos de tabuleiro, baralho...
- Dormir! (porque não há nada mais convidativo para um soninho do que aquele barulhinho na janela e o friozinho dos dias chuvosos)

O que vocês gostam de fazer num dia de chuva? Deixem um comentário com a sua resposta!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Eternidade


Ela mirava a cidade em sua quietude noturna. Notava o quanto os prédios eram grandes e como as luzes neles pareciam formar um padrão, tornando o conjunto uma apreciável obra de arte. O som da cidade adormecida era tranquilo; um cachorro latindo, uma buzina distante, o rugir de um motor de moto. Silêncio. Nada conseguia ser melhor do que isso. Ou talvez... Sim. Havia um único som que era mais melodioso que o harmônico silêncio madrigal: o som da voz dele, que ela tanto ansiava em ouvir novamente.

Sentada com as pernas cruzadas em cima do sofá branco da sala, com a brisa da noite beijando suavemente seus cabelos, ela não tinha sono. Abraçada ao travesseiro, continuava absorta na imagem da cidade, com o pensamento bem longe daquele mar de prédios. Se ao menos ele estivesse aqui, suspirou. Mas ele estava longe, numa realidade bem diferente da dela, naquele momento, e ela não sabia dizer se ele voltaria - preferia não pensar no assunto.

Tudo acontecera tão rápido... Num momento, faziam cócegas um no outro, rolando na grande cama de lençóis amarfanhados. Num outro, ele saía pela porta com malas na mão, um último olhar e nenhuma palavra.

Era tudo sua culpa, ela sabia, e se amaldiçoava a cada noite que ia deitar sozinha e a cada manhã que acordava sem ele. Por que tinha que ser tão cabeça-dura? Por que tinha que despedaçar e magoar a todos que amava?


Ele olhava para a cidade da varanda do apartamento em que a empresa o instalara. Estava a um oceano de distância dela, mas ainda podia sentir o aroma daqueles cabelos macios em seus dedos. O que dera errado? Pensava que tudo estava perfeito. Ele mudara-se para o apartamento dela, maior e mais confortável. Assistiam à tv comendo pipoca todas as noites e passavam os fins de semana inteiros no quarto, ou na cama ou na banheira da suíte. Não paravam nunca de se amar e descobrir novas coisas um no outro, cada dia era ainda mais excitante, e ele sentia como se ela tivesse sido incorporada na vida dele para sempre. Não podiam ficar separados. No entanto, ele estava ali, sozinho, enquanto ela estava do outro lado do Atlântico, também só. Ambos magoados.

Ele recebera uma irrecusável oferta de emprego fora do país, mas recusara mesmo assim, tudo para não deixá-la. Ela detestou a idéia de privá-lo de seguir sua vida, sabendo que jamais poderia abandonar a sua para acompanhá-lo - jurara para si mesma que nunca permitiria que um homem mudasse sua vida de maneira tão significativa. Discutiram. Disseram coisas que magoaram tanto um quanto o outro.

"Eu largo tudo por você", disse ele.
"Eu não faria tanto", rebateu ela.
"Nós podemos nos adaptar..."
"Nossas vidas são muito diferentes."
"Minha vida é você."
"Por enquanto."
"Pela eternidade!"
"... Nada pode durar para sempre."

Ele viajou naquele mesmo dia e nada mais foi dito entre os dois. Após fechar a porta de seu coração para sempre, ela sentou no chão e chorou, como nunca tinha chorado antes. Ele precisou esperar até entrar no banheiro do avião para poder derramar suas lágrimas de sofrimento.

O tempo passara sem que percebessem de fato. Tudo o que sentiam era a falta um do outro. Ele não se destacava mais no trabalho, ela não criava mais nada. Eram duas almas vazias vagando por um mundo a que não pertenciam. Nada mais fazia sentido.

Ela sonhava que ele chegava no meio da noite, sem fazer barulho, e a acordava com beijos delicados na orelha. Faziam amor e esqueciam toda a briga. Ele pensava constantemente em largar tudo e voltar para ela, mas sabia que seria rejeitado. Tudo tinha que ser sempre do jeito dela, eles só voltariam a ficar juntos se ela quisesse. Como doía esperar que ela mudasse.


Observando a cidade, pintando-a em sua memória, decidiu que não podia mais viver daquela maneira, largada num sofá dia e noite. Sentia-se sufocada pela culpa de ter mandado embora seu grande amor e precisava de ar fresco, precisava respirar. Saiu do apartamento descalça e de pijama, desceu as escadas do prédio e correu para a praia vazia à sua frente, atirando-se na areia branca e úmida, sufocando seus soluços. Mergulhou na água escura, procurando afogar a tristeza, onde em outra época transbordara de alegria junto a ele.


Ele arrumara as malas e pegara o avião, o último vôo da noite, voltando para casa. Seu trabalho fora do país terminara e ele não tinha certeza do que faria. Não sabia se voltava para seu antigo apartamento abandonado às traças ou se batia direto na porta dela. Decidiu se hospedar num hotel, enquanto pensava em suas opções.

Ela acordou na areia, sozinha. A manhã estava clara, mas vinha chuva por aí. Voltou para o apartamento sem dar importância aos olhares que recebia na rua, tomou um longo banho de banheira e resolveu pintar. O mar lhe fizera bem aquela noite, mas ainda tinha muitas feridas para serem fechadas e mais do que nunca ela queria vê-lo, tocá-lo, ajoelhar-se a seus pés e pedir perdão por ter sido tão cruel; mesmo que isso significasse abrir mão de quem era para dar espaço a uma nova versão dela, mais receptiva ao amor e a tudo o que ele implica.

Começou pintando uma imensa escuridão, que logo foi se enchendo de luz e cores, dançando na tela e na sua mente. Pintou também um oceano, cheio de criaturas estranhas, seus medos, e uma luz que atravessava a água negra e lhe dava forças para encará-los. Foi quando a campainha soou, e ela se viu sobressaltada, com o coração pulando e a cabeça cheia de incertezas. Abriu a porta, mas não viu ninguém. Olhou para o chão, e apanhou uma foto. Estremeceu ao ver a imagem; os dois juntos, na praia, sorrindo cúmplices um para o outro, como amantes. No verso da foto, palavras recém escritas. "Venha me encontrar."

Ela sabia o que queria, mas antes de sair correndo porta afora, foi tomada de medo. Sabia que se ele viesse a seu encontro, fingiriam que nada aconteceu e retomariam de onde pararam, sem nada mudar, podendo cometer novamente aqueles mesmos erros. Porém, se ela fosse ao seu encontro, já estaria abrindo mão do passado para começar tudo de novo, do zero, com um belo e longo futuro pela frente. Ela sempre preferira o caminho mais fácil e confortável; já estava na hora de conhecer um pouco do outro lado.

Parado na areia, de frente para o mar, ele segurava o paletó por cima do ombro com uma mão e os sapatos na outra, esperando. Sempre fora muito paciente. Ela parou de correr assim que o avistou, e por um momento, o pânico reapareceu. Mas ela era mais forte, seu amor era mais forte do que sua insegurança. Caminhou em direção a ele, com o vento frio soprando nos seus longos e desleixados cabelos. Ele se virou para contemplá-la no exato momento em que ela parava a dois palmos de distância. Ele olhou aqueles místicos olhos verdes dela, que refletiam a fúria do mar naquela tarde; ela mergulhou na escuridão daquele olhar que ela tanto amava. Por um momento, ficaram apenas fitando um ao outro, as palavras eram insignificantes agora que estavam frente a frente, um turbilhão de emoções passando pelos dois a cada milésimo de segundo.

E então, de forma harmoniosa e sincronizada, os dois beijaram-se, como se estivessem preparando-se para esse momento durante todo o tempo em que ficaram separados. Beijavam-se com amor, extirpando toda a dor que os atormentara durante aquele ano inteiro de separação. Quando voltaram a fitar um ao outro, ela falou:

"Minha vida é você. Sou sua para toda eternidade."

Ele sorriu e acrescentou, contente de constatar que a melodia daquela voz não mudara nem um pouco:

"Pensei que nada durasse para sempre."

Ela baixou o olhar, sentindo uma leve pontada de culpa no coração.

“Isso dura."

E o beijou novamente, enlaçando os dedos naqueles cabelos que ela tanto amava, enquanto ele apertava sua cintura para impedir que ela desaparecesse no ar. Mirando novamente aqueles olhos verdes, ele afirmou:

"Sim, isso dura."

Beijaram-se uma vez mais antes de a chuva cair, lavando-os de todas as tristezas e convidando-os para voltarem ao apartamento, onde uma cama aconchegante os esperava e onde a vida era sempre ensolarada.


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*Originalmente escrito em fevereiro de 2009, por mim.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Observador


Sou um observador. Gosto de estar atento ao momento em que as coisas acontecem. Assisto a vida como a uma peça de teatro: esperando cada fala, cada reação exagerada, analisando o que acontece à minha volta. Quando um ato termina, mal consigo esperar pelo que vem a seguir. A minha vida é ver a vida dos outros.

Uma vez, quando pequeno, vi uma menina chorando, atrás de um muro, no pátio da escola. Fiquei escondido enquanto ela debulhava-se em lágrimas infantis, entretanto silenciosas, afastando as trancinhas louras de vez em quando para esfregar os olhos. Lembro como ela parecia uma boneca de louça com o rosto quebrado: linda, em seu vestido cor-de-rosa, mas incapaz de revelar um sorriso feliz.

Eu quis largar minha bola enlameada e ir até ela, olhar naqueles olhinhos castanhos e úmidos e confortá-la com um sorriso, ou se tivesse mais coragem, até um abraço rápido e tímido. Mas minhas roupas estavam sujas e eu tive medo de que ela ficasse com raiva de mim por estar observado-a.

Anos depois sentamos lado a lado num curto trajeto de ônibus. Ela me reconheceu da escola e comentou que estava de mudança antes de descer no próximo ponto e deixar para sempre a minha vida. Não tive coragem de confessar sobre aquele dia da infância, e ela nunca soube que eu a amava desde então.

Sou um observador. A minha vida é deixar a vida passar.

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*Escrito por mim numa aula de redação no último ano de colégio.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Dias ventosos


Gosto de dias ventosos. De andar pelas ruas e sentir o ar bagunçar os meus cabelos e resfriar a minha pele. Sempre acontece no meu caminho para a aula de sociologia. Como hoje.

Vou andando sozinha pela estrada de paralelepípedos ladeada de grama verde e cheirosa, escutando músicas em minha cabeça ou mesmo o canto dos passarinhos que passam voando em bandos. Fico tão feliz que sorrio pro céu, por pouco não danço como se estivesse em um musical.

O vento me ajuda a voar.

sábado, 3 de outubro de 2009

Até que a dor passe

Na festa ela ri e conversa, bebe e come, dança e se diverte. Ninguém percebe a umidade em seus olhos quando a música muda. Uma saída estratégica para o banheiro feminino, seca o rosto com papel, retoca a maquiagem e volta pro salão linda e reluzente.

Fim de festa, chega em casa, tira a roupa deita na cama. Chora em silêncio e dorme. Sonha com o passado.

Manhã seguinte, bebe chá, toma banho, se arruma e almoça com a família. Solidão sussurra discretamente em seu ouvido. Um cansaço sem motivo toma conta do seu corpo.

Fim de tarde chega em casa, a casa escura e sozinha. Come chocolate, lê um livro, tenta dormir, não dorme. Liga o computador, procura alento, não encontra. O silêncio só não a consome porque o vizinho escuta música alto demais.


Olha aquela foto esquecida na gaveta, pega papel e caneta e escreve: saudade...

No dia seguinte encontra as amigas, conversa, brinca, ri. Esquece toda a tristeza. O telefone toca: novidade. Todo mal tem sua beleza.